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quarta-feira, 17 de outubro de 2007

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De noite, todos os gatos são pardos


Uns certos gatos pardacentos da nossa putativa renovação literário-intelectual-politica, entendem que a Constituição que temos está bem assim e nada é preciso alterar. Citam um velho defensor da sua dama antiga, Paulo Mota Pinto, também da nova geração putativamente renovadora, para dizerem que este tipo de propostas de rupturas institucionais é eminentemente terceiro-mundista e, de carrinho, contestam a necessidade de revisões de um texto que está muito bem assim, dando razão aos reaccionários que se opõem a qualquer mudança.

Ora , há quem entenda precisamente o contrário e que a CRP pode e deve ser revista, porque como por aqui se diz, “ a actual é programática, socialista, intervencionista, contraditória e desrespeitadora dos direitos individuais.”
É certo que ali, não se justificam as afirmações, tornadas assim apodícticas, como é norma corrente de quem se acha dispensado de fundamentar o que escreve.

Mas o problema proposto, transcende a ideia conformista do gato pardo.
A questão fundamental com a revisão constitucional, não é apenas a da sua inocuidade, como factor impeditivo de desenvolvimento. É mais o do exemplo e do paradigma que deve estruturar uma trave mestra da construção do edifício legislativo de um país.
Não é preciso ser especialista em constitucionalismo, como alguns que para aí andam, para entender que uma lei fundamental tem que servir de referência às demais, ordenando e balizando as grandes ordinárias e as mais singelas, com os regulamentos que as pormenorizam.

Uma lei fundamental que não se respeita a si mesma, não pode infundir respeito às demais e aos que as devem cumprir.
Como é possível respeitar uma lei fundamental que afirma que ainda vamos a caminho de um lado que todos sabem ser infrequentável? Nem à força de um idealismo serôdio lá se chega, porque na verdade nunca se encetou caminho por essa via- a maioria sempre o rejeitou. Mas a lei fundamental continua a dizer que sim, é por aí, para nenhures, que temos de ir.
Como é possível respeitar uma lei fundamental que continua a programar um leque muito alargado de direitos sociais, como por exemplo o de garantir aos trabalhadores o direito ao trabalho e a segurança no emprego, estabelecendo um catálogo de obrigações do Estado , ao mesmo tempo que este Estado, uma vez no Governo, se liberta progressiva e liberalmente dessa incumbência, entregando a tarefa a uma economia de pendor liberal e até ultra liberal, patrocinada por um poder executivo socialista?

Como é possível respeitar uma lei fundamental que consagra uma generosa segurança social e ao mesmo tempo se vai sabendo que um em cada cinco portugueses é pobre de mais, ridicularizando de passagem essa proclamação solene e constitucional?

Como é possível finalmente, afirmar peremptória e fudamentalmente que há uma subordinação do poder económico ao poder político democrático, quando é precisamente o contrário que vemos na governação de todos os dias?

Em suma, que adianta uma Constituição proclamadora de direitos e orientações políticas gerais, que se denegam na prática política diária?
Adianta e vale pouco. E todos sabem disso mesmo, porque ninguém liga ao valor de troca que foi aplicado no texto constitucional.
É exactamente por isso, por valer pouco e nada influenciar, que os do gato pardo, acolitados pelos defensores da excelsa dama que garante um emprego e ocupação aos prosélitos, entendem que não vale a pena mudar nada.
Afinal, como dizia o outro que já saiu da função de garante dessa mesma constituição, as leis em Portugal são, muitas vezes, meras sugestões.
Quando o primeiro magistrado do país, garante das instituições e defensor dos vínculos constitucionais, afirma publicamente uma coisa deste teor, com a seriedade que o cargo empresta, ficamos todos cientes que tudo vale e tudo é relativo, no domínio das leis.
Quando uma lei fundamental se torna meramente sugestiva de tendências, aproximada ao virtual e meramente indicativa de um regime, sem seriedade suficiente para se impor com a coercividade natural das normas, as demais ordinárias podem muito bem ser constitucionalmente conformes à anomia reinante.
Por isso, se tornam meras sugestões, como a lei de financiamento partidário, a de incompatibilidades e as do código da Estrada, para não falar das que combatem a corrupção. A anomia geral tem que vir de algum lado e os gatos pardos, como se vê, pouco vislumbram desta temática e preferem o conformismo atávico, associados aos teórico-praticos do sistema que os sustenta.
E a prova, são as decisões dos defensores da dama que lhes deu o emprego e que se chama poder. Uma puta que vai com quem a agarrar e lhe pagar mais.
Um gattopardo, de noite, a querer ir às putas? Curioso.

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