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segunda-feira, 12 de novembro de 2007

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A CASA DE SANTA COMBA DÃO

«Em 1975, um amigo da altura inventou uma excursão a casa de Salazar. Lá fui penosamente, sem perceber muito bem o propósito do exercício. A casa, na estrada do Vimieiro, térrea e (se não me engano) pintada de amarelo, não tinha nada para ver. Não me consigo lembrar se entrei e se vi a horta. O que diz tudo sobre a banalidade do sítio. O Vimieiro e Santa Comba Dão eram um deserto. Saí dali com a sensação de tempo perdido. Aquilo nem sequer mostrava a austeridade e a modéstia do ditador (tinha telefone, por exemplo). Nem o reaccionarismo do regime. Mostrava só que o ditador gostava de passar as férias numa aldeia isolada, provavelmente para não o maçarem como o maçariam em qualquer outro sítio. No fim da vida, de resto, quando as coisas se complicaram, ia para o forte do Estoril, mais perto e acessível.

Santa Comba Dão quer agora fazer "um museu" da casa de Salazar. O que se compreende muito bem. Tanto quanto sei, só a casa de Salazar pode atrair a Santa Comba Dão um ocasional turista; e o "museu" fica por uns potes de cal e uma limpeza. Com sorte, o café da terra, se existir, ganha algum dinheiro e aparece um espertalhão a vender "relíquias". Tudo isto é inofensivo e um pouco patético. Mas bastou para provocar a indignação da velha esquerda pliocénica, que nem sempre se distinguiu pelo ardor democrático. Um abaixo-assinado, entregue solenemente na Assembleia da República, pede que se proíba o "museu", como se o "museu" fosse uma espécie de reabilitação de Salazar e o salazarismo ameaçasse ressurgir do Vimieiro a um euro e meio por bilhete.

Não ocorre a ninguém que de Santa Comba Dão nunca virá um culto de Salazar como o culto (aliás, ridículo) de Mussolini em Predappio. Ao neo-salazarismo faltam as forças que provocaram e criaram o salazarismo: falta o ódio à violência da ditadura jacobina e o medo (real) de uma revolução comunista, falta a militância activa de uma Igreja ainda dominante; falta um exército humilhado, policiado e coagido a meter no quadro permanente centenas de "voluntários" da Grande Guerra. E falta um país rural, hostil à República de Lisboa. Salazar é um homem do passado remoto. De um passado irreconhecível. O negócio de Santa Comba Dão com a casa do homem é irrelevante para a cultura política do regime. E talvez não seja para Santa Comba Dão. Os censores da consciência nacional deviam, de preferência, olhar para eles.»

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